A geração de energia alternativa, com ganho de impacto ambiental, começa a ganhar um forte aliado no Brasil: a recuperação energética do lixo doméstico. Tecnologia consagrada no mundo desenvolvido, com mais de mil plantas instaladas, os chamados sistemas waste-to-energy, que incineram os resíduos e geram energia elétrica e térmica para tornar autossuficiente o empreendimento e ainda fornecer a terceiros, está com o aval da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) para ser empregada e começa a suscitar projetos em cidades brasileiras.

Petróleo & Energia, Waste-to-energy, em Viena, Áustria, incinera 250 mil t/a de lixo para gerar 60 MW à rede e vapor para um hospital
Waste-to-energy, em Viena, Áustria, incinera 250 mil t/a de lixo para gerar 60 MW à rede e vapor para um hospital
 
Várias prefeituras debatemo o uso da recuperação energética e algumas partem de fato para projetos. A pioneira é a cidade de Barueri, na região metropolitana de São Paulo, que já obteve licença prévia do órgão ambiental paulista, a Cetesb, e está em via de entrar com o pedido de licença de instalação para o empreendimento. E outras cinco cidades paulistas já entraram em contato com o órgão ambiental para informar a intenção de fazer o mesmo: Osasco, São Bernardo do Campo, São José dos Campos, Mogi das Cruzes e Mauá. Destas, apenas a última ainda não pegou com a Cetesb o termo de referência para a elaboração do EIA-Rima, primeira etapa do processo de licenciamento.
Fruto de uma parceria público-privada (PPP) entre a prefeitura de Barueri e a Foxx Inova Ambiental, a sociedade de propósito específico Foxx URE-BA Ambiental, criada para executar o primeiro projeto, utilizará tecnologia da empresa belga Keppel Seghers, de caldeira de recuperação de calor com fornalha interna e grades móveis, e eficiente corrente de tratamento de emissões, para incinerar 780 t/dia de resíduos domésticos e gerar – por uma turbina a vapor que aciona gerador elétrico – 17,5 MW. A energia deverá ser integrada à rede da Eletropaulo, conforme recente autorização da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

A licença prévia obtida pela Foxx contempla um projeto básico preliminar. Para conseguir a licença de instalação, cuja entrega da documentação está prevista para o meio do ano, a empresa precisará detalhar melhor o projeto, definindo por exemplo se também vai gerar vapor (o que pode ser uma opção, visto que a unidade será construída ao lado da ETE Barueri, da Sabesp, onde o vapor pode ser utilizado para secagem de lodo).

Projeto avaliado entre 300 milhões e 400 milhões de reais, após a licença de instalação a empresa pode começar a montar a usina. Ao ficar pronta, a Cetesb é novamente acionada para autorizar o começo de uma operação de teste acompanhada. “Aí nessa etapa vamos avaliar se o sistema está funcionando corretamente, com o controle das emissões dentro do previsto e exigido por lei”, afirmou o gerente de projetos especiais da Cetesb, Milton Norio Sogabe. Todo esse processo, até a licença de operação ser definitivamente concedida – e se tudo correr dentro do normal –, está previsto para acontecer em um período aproximado de dois anos.

O estado de São Paulo, para permitir a entrada em operação dessas usinas, baseia-se em uma resolução estadual específica, a SMA-079, de novembro de 2009, que estabelece diretrizes e condições para a operação e o licenciamento da atividade de tratamento térmico de resíduos sólidos em usinas de recuperação de energia (URE). Sua existência faz as empresas interessadas contemplarem no EIA-Rima e no pedido de licença prévia as medidas e tecnologias para atender às determinações rigorosas de emissões atmosféricas, que seguem os padrões mais altos do mundo, adotados na Europa, EUA e Ásia.

Segundo a resolução, os limites de material particulado, por exemplo, serão de 10 mg/Nm3; SOx , de 50 mg/Nm3; NOx, de 200 mg/Nm3; ácido clorídrico, de 10 mg/Nm3; ácido fluorídrico, de 1 mg/Nm3; e hidrocarbonetos totais, de 10 mg/Nm3. Os limites de emissão para substâncias inorgânicas específicas (metais) variarão de 0,05 a 0,5 mg/Nm3. Por fim, as emissões das “temidas” dioxinas e furanos seguirão a determinação extremamente restritiva de 0,1 nanograma/Nm3.

A rota de controle em Barueri seguirá o padrão da maioria das unidades do mundo: controle ácido/básico com lavagem a seco; remoção de NOx com injeção de ureia dentro da caldeira; injeção de carvão ativado para dioxinas e furanos; e por fim um filtro de manga especial (com catalisador na superfície da mídia) para captar não só os subprodutos de restos de cal, sulfitos e sulfetos das lavagens a seco pastosas como as pequenas frações de dioxinas que podem passar pelo tratamento.

Os sistemas são comprovadamente eficientes na Europa, onde há casos, como em Viena, na Áustria, em que uma usina se localiza ao lado de um hospital, para quem fornece vapor. No Brasil, segundo revelou Milton Norio, da Cetesb, o controle será o mais avançado já existente para uma atividade industrial, totalmente automatizado, gerando dados de forma contínua e que resultarão em relatórios trimestrais das emissões. E melhor: todas as informações estarão conectadas on-line com a agência ambiental.